Segundo o prefeito de São Paulo, impacto de tarifa zero seria de R$ 8 bilhões, o equivalente a arrecadação integral do IPTU
O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, se mostrou contrário à
proposta de implantação do passe livre para todos os passageiros de
ônibus na capital paulista nas condições atuais.
Em entrevista ao ValorPro, serviço de informação em tempo real do
jornal Valor Econômico, Haddad disse que a proposta de tarifa zero neste
momento não é viável para a cidade de São Paulo, como defende o MPL –
Movimento Passe Livre. O prefeito ainda complementou dizendo que São
Paulo hoje tivesse tarifa zero, seriam necessários R$ 8 bilhões em
subsídios anuais, praticamente o mesmo valor que hoje a prefeitura
arrecada com o IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano.
Haddad afirmou ao jornal que não vai revogar o reajuste de R$ 3,50 para R$ 3,80 das tarifas de ônibus, como pede o MPL.
O prefeito Fernando Haddad também disse que será possível com a
renegociação das dívidas da prefeitura com a União, conseguir recursos
para financiar obras que dependeriam de verbas do PAC – Programa de
Aceleração do Crescimento, mesmo sem apoio do Governo Federal. De acordo
com regras do PAC, para que o financiamento seja liberado, a prefeitura
deve começar as obras e os projetos com recursos próprios.
Com as
contas públicas em dia, é possível conseguir empréstimos no mercado
financeiro para começar essas intervenções e depois receber as verbas do
PAC. No entanto, na entrevista, Haddad reconhece que por causa da crise
econômica e fiscal, a União tem liberado menos recursos pelo PAC.
Boa parte da meta de 150 quilômetros de corredores de ônibus,
prometidos por Haddad durante a campanha de 2012 para ser entregues até o
final do mandato em 2016, depende justamente de verbas do PAC. Por
causa dos problemas de liberação de recursos e da suspensão das obras
depois de suspeitas de irregularidades, como sobrepreço, de mais de 40
quilômetros em diversos trechos, por parte de TCM – Tribunal de Contas
do Município, e por recomendações de bloqueio do TCU – Tribunal de
Contas da União, a meta é considerada quase impossível de ser cumprida.
O prefeito Fernando Haddad também afirma que é uma conquista o número
de ciclista ter dobrado na cidade de São Paulo depois da implantação
das ciclovias e nega que faz uma administração de ódio ao automóvel.
Confira na íntegra a entrevista ao ValorPro.
Valor: Como o senhor vê a atuação da polícia nas manifestações contra o reajuste da tarifa?
Fernando Haddad: A polícia não está sob meu comando, infelizmente. No
mundo inteiro, a polícia é em geral civil e subordinada à
municipalidade, que é o melhor modelo. É difícil fazer avaliação de uma
corporação que não está sob seu comando, até porque você pode sofrer as
consequências disso, como aconteceu em 2013, em que a partir de um breve
comentário meu nós sofremos no dia seguinte as consequências. Quase
perdemos dois prédios históricos da cidade, a sede da prefeitura e o
Theatro Municipal.
Valor: Houve retaliação do governo estadual?
Haddad: Não estou dizendo que houve retaliação, mas quando disse que
alguns protocolos não haviam sido observados [pela PM], no dia seguinte
os prédios da prefeitura ficaram sem proteção e nós quase perdemos a
sede da municipalidade e o Theatro Municipal, que quase foram
incendiados. Tive que recorrer ao próprio governador e pedir para que os
prédios fossem protegidos. São situações que aprofundam a crise
institucional, colocando em risco as regras que temos que defender, que é
da democracia e do convívio pacífico. Neste momento, a municipalidade
está fazendo o que lhe cabe, que é mobilizar o Ministério Público
Estadual, que estava distante e que tem o dever e poder de ajudar. O MPE
pode ajudar a interpretar a Constituição e colocar certas balizas. São
Paulo tem sido palco de manifestações e muito mais numerosas. Tivemos no
segundo semestre de 2015 manifestações com 20 mil a 50 mil pessoas, sem
nenhum incidente. São Paulo convive bem com as regras democráticas e
sempre que há violência a cidade se ressente.
Valor: Os protestos são contra o aumento da tarifa que o
senhor e o governador promoveram. Há chance de o senhor revogar o
aumento?
Haddad: Fechamos o mês de dezembro com 530 mil estudantes no Passe
Livre, a um custo de R$ 700 milhões por ano para a municipalidade. Só o
Passe Livre Estudantil, que foi um gesto de diálogo com o movimento,
corresponde a um subsídio de R$ 700 milhões por ano. É o orçamento da
Secretaria da Cultura, por exemplo. O Passe Livre Estudantil abrange 70%
dos alunos, todos de escola pública e baixa renda. O resto tem renda.
Além disso, tem subsídio ao idoso. Diminuímos a idade para 60 anos – os
homens eram 65 anos. No total, são 22% de passagens gratuitas, 2,2
milhões de pessoas que não pagam passagem de ônibus, a um custo de quase
R$ 2 bilhões. O subsídio aprovado no primeiro ano do meu governo era de
R$ 600 milhões.
Valor: Os manifestantes alegam que o aumento compromete a
renda do trabalhador e beneficia as empresas de transporte. O repasse
às empresas aumentou 17% entre 2014 e 2015, mas o número de passageiros
caiu 1%…
Haddad: O trabalhador tem vale-transporte. O estudante está mais
preocupado com o trabalhador do que com… Acho isso estranho, só os
estudantes estão na rua. Não tem aumento de repasse. Tem aumento de
subsídio. Alguém tem que pagar o passe livre. A pauta do movimento, de
Passe Livre para todos, significa R$ 8 bilhões de subsídio. É óbvio que
alguém pode propor isso. Quem sabe não aparece um candidato que defenda
essa tese, que fale ‘olha, vou pegar todo o IPTU da cidade – que é mais
ou menos o que custa o sistema de transporte-, e vou usar para passagem
grátis para todo mundo’?
Valor: Então não vai revogar?
Haddad: Estou dando as condições para que as pessoas julguem o que
está se falando. Em outubro vamos fazer esse debate, é ano eleitoral.
Vamos discutir de forma madura. O dinheiro da prefeitura é dinheiro do
povo. Se o povo entender que vale a pena colocar 100% do IPTU no
transporte tirando de saúde, educação, é um direito da democracia, mas
tem regras democráticas para decidir isso. O ano é muito propício para
discutir isso.
Valor: A política econômica do governo federal atrapalhará sua candidatura?
Haddad: Antes da troca do ministro da Fazenda, em virtude dos
desequilíbrios que foram acumulados ao longo do tempo, como acúmulo de
desonerações, swap cambial e tarifas administradas, acumulamos um
passivo, sobretudo em 2013, 2014. O governo considerou importante esse
modelo para manter o nível de atividade e o nível de emprego, mas chegou
ao esgotamento, a economia mundial não permitia que esse modelo que
pudesse prosperar. Estamos vivendo um momento de transição e isso
implica sacrifícios para quem está no governo. É mais fácil para a
oposição do que para o governo.
Valor: Como o senhor avalia o primeiro ano da política
econômica, com Joaquim Levy, voltada basicamente para o ajuste fiscal? E
a política de juros do Banco Central?
Haddad: Acumularam-se passivos importantes e houve um esgotamento
desse modelo. A transição se impôs. O governo a partir daí fixou dois
objetivos de curto prazo. Equacionar o problema da relação dívida/ PIB e
trazer a inflação para o centro da meta. Essas duas metas eram
impossíveis de serem atingidas da maneira como se previa porque a
política monetária corroía o ajuste fiscal e obviamente tem que ter uma
recalibragem da política econômica… À luz do passivo acumulado, essas
metas eram tão exigentes que provocariam uma retração econômica muito
forte, como aconteceu. Estamos com novo ministro e temos que aguardar. A
aposta que se faz com Nelson Barbosa é que ele promova essa
recalibragem para que a transição seja menos dolorosa do ponto de vista
social e recupere a confiança dos agentes econômicos. Uma boa parte da
crise não é econômica. Tem outra dimensão, que é a questão da base de
sustentação do governo, que precisa ser resgatada. Outra dimensão é o
efeito das ações de combate à corrupção. Isso está afetando a economia.
Valor: É possível uma guinada do governo à esquerda?
Haddad: Não acho que se trata de esquerda ou direita. Trata-se de
conduzir uma transição para um novo ciclo de desenvolvimento em função
do fato dos dez anos de crescimento que tivemos. Essa transição vai ter
que ser feita com muita sabedoria, senão vai comprometer avanços sociais
importantes e isso de certa maneira pressiona muito a política. O
eleitorado se ressente.
Valor: E o que a prefeitura pode fazer para ajudar o governo a estabilizar a economia, se não voltar o crescimento?
Haddad: A prefeitura está em seu melhor momento. Com a renegociação
da dívida trouxemos o nosso endividamento para menos de 85% da nossa
receita líquida real, o que coloca São Paulo numa posição privilegiada
em relação a outros entes da federação. Isso abre espaço para financiar o
nosso PAC mesmo eventualmente sem apoio federal. Pelo terceiro ano
consecutivo estamos batendo recorde de investimento, com R$ 4,5 bilhões.
Estamos com uma folha controlada na casa de 35% da Receita Líquida Real
contra 46% do Estado, 45% da Prefeitura do Rio, que são os entes que
têm rating parecido com a capital. Não estou com obra parada, nem
suspendi obra nenhuma. Creio que nesse último ano de mandato possamos
atingir entre R$ 17,5 bilhões e R$ 18 bilhões de investimento no
quadriênio, o que é um recorde histórico.
Valor: A prefeitura esperava cerca de R$ 8 bilhões da
União e até agora só uma pequena parcela desse montante foi repassado. O
senhor cobrou recentemente R$ 400 milhões. O governo federal tornou-se
mais um problema do que solução?
Haddad: Com a crise, o repasse federal de todas as unidades da
federação caiu demais. Não foi diferente em São Paulo. Agora muitas
coisas estamos fazendo com recurso próprio. Meu dever é sempre buscar
recurso.
Valor: O senhor tem sido criticado por não cumprir as
metas de seu governo, em áreas importantes como saúde, educação e
transporte…
Haddad: Isso vai se provar falso.
Valor: Da meta de construção de 20 CEUs, por exemplo, a
prefeitura só entregou um. Dos três hospitais, só um está pronto. A meta
dos corredores de ônibus não deve ser cumprida, nem a de zerar o
déficit de 150 mil vagas em creche…
Haddad: Vou entregar 15 CEUs e deixarei cinco com as obras iniciadas.
Entreguei um, oito já estão em obras e seis entrarão em obras no dia
22. São 12 meses de obra para construi-los. Vou entregar dois hospitais e
um vai estar atrasado seis meses porque o metrô requisitou a área para
fazer a estação Brasilândia. Perdi seis meses para deslocar o hospital e
sobrar área para o metrô. Não acho que a Brasilândia vai ficar chateada
de ganhar um hospital junto com uma estação do metrô. Vou entregar o
hospital Parelheiros até agosto, setembro deste ano e Brasilândia até
junho, julho do ano seguinte eu entrego. Abri 90 mil vagas de educação
infantil, é o recorde da história da cidade. Com o país em recessão,
abri mais vagas do que todos os antecessores. Vamos divulgar que o
déficit de vagas em creches caiu para menos da metade.
Valor: O cronograma não está muito atrasado?
Haddad: Houve atraso, por várias razões. Tive que colocar R$ 2
bilhões de subsídios que não estavam previstos. Não prometi Passe Livre
para estudante. Isso tirou dinheiro de obra. Tive a crise dos
precatórios, que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional.
Devo terminar o meu mandato com a economia brasileira encolhendo uns 5%
ou 6% e tivemos uma inédita decisão do Tribunal de Justiça suspendendo a
atualização da planta genérica do IPTU. Nenhum prefeito conviveu com
nenhuma dessas quatro condições e nenhum dos que me antecederam
suportaria qualquer uma dessa quatro. Eu não só suportei essas quatro
como bati recorde de investimento. Quem é que enfrentou esse cenário
adverso no passado?
Valor: Marta Suplicy assumiu uma prefeitura falida, por exemplo.
Haddad: O que é isso? Eu era secretário-adjunto de finanças daquela
gestão e não fez nem cócegas perto do que enfrentei. Eu resolvi o
problema do [Celso] Pitta em 90 dias.
Valor: O senhor terminou 2015 com uma rejeição de 49%,
segundo pesquisa Datafolha. É possível reverter essa má avaliação a
poucos meses das eleições?
Haddad: Em 2012, a pesquisa Datafolha da véspera do primeiro turno me
dava 20%, sete pontos percentuais atrás do Russomanno. Respeito
instituto de pesquisa, mas a vida não é assim.
Valor: Uma das principais bandeiras da sua gestão, as
ciclovias, são alvo de críticas de que foram feitas sem planejamento e
muitas estão ociosas..
Haddad: Quase dobrou o número de ciclistas na cidade. Segundo
pesquisa do Ibope, aumentou 70%. Não teve divulgação dessa pesquisa do
Ibope porque a imprensa é muito contra o programa de mobilidade da
prefeitura. Todos os editoriais, sem exceção, são contra o plano de
mobilidade. Faixa de ônibus, ciclovias, redução da velocidade, abertura
de ruas aos fins de semana para o lazer. Não conheço nenhum veículo de
comunicação que tenha feito um gesto na direção do que eu considero a
modernidade. Sobre a redução da velocidade, prefiro ser criticado e ter
salvado 300 pessoas, que deixaram de morrer em um ano no trânsito. Foram
cerca de dez mil feridos a menos. Ouço os técnicos da CET e não faço
demagogia com a vida dos outros. Segui orientação técnica e os
resultados estão ai, para ninguém mentir. É a velocidade máxima nas
cidades europeias todas [50 km/h]. Fomos todos muito criticados pelo
plano de mobilidade. O engraçado é que é uma lei federal.
Valor: Existe uma espécie de ódio ao automóvel pela administração?
Haddad: Em São Paulo ninguém discute mais semáforo. Investi R$ 220
milhões na reforma semafórica da cidade. Em dia de chuva chegamos a ter
400 semáforos em amarelo piscante ou apagado. Hoje nossa média é menos
de 0,5%. De 6.400 semáforos, chegamos a ter mais de 6% comprometidos com
chuva.
Valor: O senhor enfrenta dificuldades também na
periferia, reduto eleitoral petista, que será disputado por Russomanno e
Marta Suplicy. Quais serão suas marcas?
Haddad: Vamos entregar 20 hospitais-dia e 10 hospitais-dia móveis, 3
hospitais gerais, 16 UBS, 15 UPAs, CEUs, a duplicação de vias
importantes, obras de drenagem, muita coisa. Mais do que qualquer
prefeito me antecedeu, em condições econômicas mais favoráveis. Todo
mundo dizia que eu iria perder a eleição em 2012. Não vi nenhum analista
falar que eu ganharia.
Valor: A campanha será mais curta neste ano e o senhor
terá menos tempo para tentar melhorar a avaliação do governo. Essa
mudança prejudicará sua candidatura?
Haddad: Se a campanha é mais curta, é mais tempo para eu trabalhar.
Valor: A campanha será também a primeira sem doação
empresarial. Em 2012 a receita de sua campanha foi de R$ 42 milhões que
arrecadou, só 0,3% foram de pessoas físicas. Qual será o impacto nas
campanhas?
Haddad: É bom. Ninguém vai ter [doação empresarial]. Todos os
candidatos passarão pela mesma situação. O bom é que vale para todos.
Sempre fui contra doação empresarial. Espero que mude muito a campanha. A
doação empresarial é péssimo exemplo para democracia e está na raiz de
muitos problemas que vivemos no país.
Valor: O senhor está decepcionado com a política?
Haddad: A situação está muito crítica e o pior não é isso. É que a
situação atual afasta as pessoas de bem da política. A política está
cada vez menos convidativa, em parte porque a classe política de bem
está se degradando. Não há processo de regeneração e em parte porque não
há por parte daqueles que acompanham a politica o desejo de discernir o
bom do ruim. Quando você coloca todo mundo na mesma vala, você piora a
seleção. É o que está acontecendo no Brasil. Toda classe política,
independentemente de indivíduos corretos ou incorretos, todos estão
sendo colocados na mesma vala comum e o cidadão, por falta de informação
de quem é ético e quem não é, opta por outras variáveis para escolher,
que não são as melhores para sanear o sistema. Tem um círculo vicioso,
que leva a crer que Ulysses Guimarães estava certo. Está reclamando
desse Congresso? Vamos ver o próximo. É o que está acontecendo no
Brasil.
Valor: Diante desse quadro o senhor pretende se distanciar do PT?
Haddad: As pessoas de bem estão cada vez mais desinteressadas da
política. É ruim para você, para o cidadão comum. Não vejo um esforço da
sociedade, em geral, de criar as condições para que as pessoas possam
discernir. Então as rotulações, as criminalizações coletivas estão sendo
a marca da política atual e da comunicação também. Tenho dito sempre
que vou dar palestra sobre o assunto – e sou razoavelmente bastante
convidado para falar sobre o assunto – digo que a honra do indivíduo é
um atributo dele, mas não é um ativo dele, é da sociedade. Nós
deveríamos aprender a defender a honra de quem tem, independentemente de
nossas posições ideológicas. Isso não está sendo feito nem pela
imprensa, por ninguém. Então lamento, mas isso é o caminho da tragédia,
não da regeneração. A partir do momento que eu não tenho coragem de sair
em defesa de um adversário político que é honrado, não estou
contribuindo para melhorar a sociedade.