A proposta da gestão Fernando Haddad (PT) é que as viações de ônibus
que conseguirem operar com veículos ainda mais cheios ganhem valores
extras na nova licitação do transporte público paulistano, válida por
até 40 anos. E a estratégia já provoca críticas de especialistas.
Entre as mais de mil páginas do edital recém-lançado, o "índice de
produtividade" surge como a única maneira das viações ampliarem
recebimentos. O pagamento será feito quando a administração municipal
identificar, na operação das linhas, a entrada de mais passageiros do
que essas deveriam receber, de acordo com os estudos de demanda já
feitos pela São Paulo Transporte (SPTrans).
A produtividade é vista, no edital, como "a redução de custo por
passageiro". Como o ônibus tem custo fixo para rodar, quanto mais gente
no veículo, mais se rateia o custo. Segundo o secretário municipal de
Transportes, Jilmar Tatto, o pagamento da produtividade só ocorrerá se
as demais exigências, como cumprimento das partidas, forem cumpridas.
"Se você está prestando um serviço de excelência e consegue aumentar o
número de usuários sem baixar a qualidade do serviço, você será
recompensado por isso", argumenta. "E essa produtividade será
partilhada: parte para o empresário, outra parte para o poder público."
"Vou exagerar para explicar: hipoteticamente, vamos supor que o
operador coloque uma pessoa tocando um violino dentro do ônibus. Não
precisa, não está no contrato", compara o secretário. "Mas vamos supor
que ele faça isso um dia, dois, três dias e, no fim, aumente em 5% o
número de usuários. Isso significa que ele aumentou a produtividade e
conseguiu um lucro maior. É um exagero falando do violino, mas pode ser
um motorista legal, alguém que as pessoas gostem", diz Tatto.
O valor que seria possível obter enchendo os ônibus é difícil de
calcular. Para tentar reduzir ganhos de empresários e forçar melhorias, a
Prefeitura montou na licitação uma complexa equação (com seis
variáveis, cada uma com até oito itens). Em linhas gerais, sem o
pagamento extra, segundo a Prefeitura, metade da remuneração às empresas
será feita com base no número de passageiros transportados, 25% de
acordo com cumprimento das viagens, 10% pelo cumprimento da oferta
exigida de veículos e 15% como remuneração dos investimentos em ônibus e
equipamentos, o chamado custo de capital. Hoje a remuneração é só por
passageiro transportado.
Considerando essa nova fórmula, além do cumprimento integral do
contrato, o pagamento extra também estará condicionado à avanço da
SPTrans de que o aumento do número de passageiros não está ligado a
aumentos naturais de demanda que ocorrem segundo a dinâmica da cidade -
como a inauguração de uma faculdade. "Se aumenta a demanda em
determinado local, primeiramente o operador tem obrigação de atender a
essa demanda, nas mesmas condições das outras linhas", observa o
secretário.
Lotação
O professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP)
Mauro Zilbovicius não partilha dessa visão otimista. Ao analisar o
edital, o engenheiro afirma que o conceito de produtividade deve induzir
as empresas a tentar rodar com mais passageiros e com o mesmo custo
total. "Isso pode estimular as empresas a lotarem os veículos, e não a
adotar outros elementos que podem trazer ganhos de produtividade, como
melhor treinamento de operadores e otimização de peças e combustíveis",
afirma.
O conceito de produtividade, para ele, deveria estar relacionado não a
transportar mais gente, mas sim a rodar mais quilômetros - e assim
aumentar a oferta de viagens - com o mesmo custo. "Poderíamos ter mais
corredores exclusivos, veículos elétricos, corredores com sinalização
inteligente para prioridade ao ônibus, entre outras ações", diz
Zilbovicius.
Já os empresários do setor de transportes afirmam não esperar que o
bônus de produtividade tenha grande impacto sobre a remuneração. Um dos
interessados em participar da licitação afirma que "dificilmente as
linhas terão margem para atrair mais gente do que a SPTrans prevê". "É
capaz de acontecer o contrário: na zona sul, por exemplo, quando a Linha
5-Lilás do Metrô começar a funcionar totalmente, é provável que os
ônibus percam passageiros", afirma. "Além disso, a taxa de retorno que
está sendo oferecida na licitação (9,97%) dificilmente seria alterada
por causa de uma produtividade extra, que ainda por cima seria dividida
com a SPTrans."
Vimos no Diário do Grande ABC
Nenhum comentário:
Postar um comentário