Uma empresa ser formada a partir da junção de outras empresas não
é novidade. Mas a coisa muda de figura quando são empresas com raízes
diferentes e, além disso, provenientes do setor público. Para se ter ideia do
imbróglio, basta dizer que cada uma delas guarda uma longa e diferente história
de criação e evolução (e muitas vezes, involução). Dá para imaginar o grau de
dificuldade que uma empresa assim formada teria para definir um padrão ideal de
funcionamento?
O caso da CPTM é mais
ou menos esse: uma companhia nascida e formada a partir da junção da CBTU (Companhia Brasileira de
Transportes Urbanos), proveniente da área federal, com a FEPASA (Ferrovia Paulista SA), esta de origem estadual. Para quem
conhece área pública, esta primeira diferença de origem – estadual versus federal – já significa muita
coisa, particularmente quanto a entraves, vícios e problemas. Problemas e culturas
de origem que se juntarão sob o mesmo teto, e onde terão de conviver tendo o
interesse público como objetivo direto.
Foi sobre este desafio que conversamos com José Luiz Lavorente,
diretor de Operação e Manutenção da CPTM,
ferroviário desde 1977, que nos contou a história resumida de cada um desses
braços formadores da CPTM. Lavorente também nos auxiliou a recontar o que a
CPTM fez até hoje, desde seu nascimento faz mais de 20 anos.
Lavorente nos conta que o processo de formação da CPTM envolveu várias culturas
ferroviárias, separadas em dois eixos distintos – um federal, outro estadual –,
as duas com histórias peculiares.
De um lado a CBTU (o "braço”
federal), que nasceu oficialmente em 1984 com a atribuição de gerir os trens
urbanos do país, subsidiária da RFFSA– Rede Ferroviária Federal que fora criada em 1957. A RFFSA, por sua vez, havia sido formada a partir de outras estradas
de ferro brasileiras, dentre elas: a Central
do Brasil, criada em 1875 – antes Estrada
de Ferro D. Pedro II, de 1855; e a Estrada
de Ferro Santos-Jundiaí, criada em 1946 – antes São Paulo Railway, de 1867. Formou-se assim a CBTU, que atuava exclusivamente em transporte metropolitano, e a RFFSA permaneceu atuando principalmente
no transporte de cargas.
De outro lado a FEPASA (o
"braço” estadual), criada em 1971, que se originou da Estrada de Ferro Sorocabana (1875) e de outras ferrovias do estado.
A FEPASA atuava tanto com cargas,
como com transporte de passageiros – de longo percurso e transporte
metropolitano.
Lavorente explica que a Constituição de 1988 estabeleceu que a
responsabilidade do transporte de passageiros seria do poder local, impondo a
descentralização dos serviços de transporte urbano de passageiros da União para
os Estados e Municípios. Quatro anos depois, em maio de 1992, o governo
estadual criou a CPTM através da Lei 7.861, possibilitando assim que a nova empresa assumisse
os sistemas de trens de passageiros da Região Metropolitana de São Paulo,
operados pela CBTU e pela FEPASA. No ano de 1994 a recém-criada CPTM chegou a transportar 161 milhões
de usuários somente na recém-incorporada malha da CBTU.
A CPTM assumiu então um
desafio: transformar-se na mais moderna operadora de trens do Brasil, dobrar o
número de passageiros transportados diariamente e melhorar significativamente a
qualidade dos serviços.
Da CBTU a CPTM herdou as atuais linhas 7 (Rubi) e 10 (Turquesa), que existiam desde a segunda metade do século 19 na São Paulo Railway; e as atuais linhas 11 (Coral) e 12 (Safira) da Estrada de Ferro Central do Brasil, sendo a linha 11 também da
segunda metade do século 19 e a linha 12 implantada em 1926. Da FEPASA, recebeu as atuais linhas 8 (Diamante) e 9 (Esmeralda), sendo a linha 8 originada
na metade do século 19, e a linha 9 construída em 1957.
Fica claro que todas essas junções trouxeram para o seio da CPTM uma diversidade não só de conhecimento
técnico específico das empresas de origem, como de comportamentos corporativos fortemente
temperados por sentimentos naturais em corporações públicas centenárias.
Além disso, a falta de investimento e manutenção produzia desde os
anos 70 cenas alarmantes para os usuários do transporte suburbano. Era comum se
ver usuários pulando nas vias para passar de uma plataforma a outra, trens
viajando de portas abertas, além de composições completamente depredadas.
Lavorente relata que em maio de 1994 a CPTM assumiu definitivamente a CBTUSTU-SP(braço no estado de São Paulo da rodovia federal), da qual herdou uma frota de
trens bastante deteriorada. Foi quando se implantou, então, o primeiro programa
de modernização das composições, que envolveu na época centenas de carros.
"Em 1996, quando assumiu
oficialmente a FEPASA, a situação
não era diferente: era muito comum a existência de surfistas e pingentes que
colocavam a vida em risco e tornavam a operação uma balbúrdia. Para se ter
ideia do quadro à época, dezenas de pessoas morreram ou ficaram feridas ao
viajar penduradas nos trens”, diz Lavorente.
Em 1998 chegaram da Espanha 48 trens (de três carros cada)
reformados, que começaram a operar, inicialmente na antiga Linha E (hoje linha 11-Coral, Luz-Estudantes). Pouco
tempo depois esses trens foram removidos para as antigas Linhas D (atualmente linha 10-Turquesa, Brás – Rio Grande da
Serra) e C (antiga linha sul do trem metropolitano da FEPASA, hoje linha 9-Esmeralda, Osasco-Grajaú).
Lavorente nos conta que no ano de 2000 começou a operação denominadaExpresso
Leste, com novos trens equipados com ar-condicionado e bancos
anatômicos. Além disso, foi quando teve início a transferência gratuita com o
Metrô nas estações Barra Funda e Brás, e quatro modernas estações foram inauguradas:
Corinthians-Itaquera, Dom Bosco, José Bonifácio e Guaianazes. Tal serviço
proporcionou significativa melhora na mobilidade da população da zona leste da
região metropolitana ao reduzir o tempo de percurso das viagens.
Em 2001, após várias ações de modernização da frota, além de
mudanças significativas no processo de manutenção, a CPTM atingiu a marca de 1
milhão de passageiros transportados por dia. Neste ano foi lançado o Projeto
Integração Centro, que visava facilitar o acesso ao eixo central da
cidade. Num trecho de 7 Km, ele abarcava as estações Brás, Luz e Barra Funda.
Desde então, e até 2009, várias mudanças e melhorias foram feitas
na CPTM, como nos relata Lavorente. Resumidamente:
Em 2002 – Primeira
etapa do Projeto Sul, com a dinamização da Linha 9-Esmeralda e a Construção
da Linha 5-Lilás do Metrô.
Em 2003 – os Trens do Expresso Leste chegaram até a
Estação da Luz. Na área de Recursos Humanos, a instituição e adoção da Gestão Corporativa para Prestação de
Serviço, modelo focado na melhoria dos indicadores de desempenho. Foi
também implantado um sistema de monitoramento com mais de 800 câmeras de CFTV
nas 83 estações comerciais.
Em 2004 – início da integração física e tarifária gratuita
no subsolo da Estação da Luz, beneficiando usuários das linhas da CPTM e do Metrô. Obras de modernização
das estações Osasco, Presidente Altino e Jurubatuba. Na área de Recursos
Humanos, a inauguração da primeira Estação
Referência, um projeto modelo de estação, com prioridade na gestão e com
alto padrão na qualidade dos serviços.
Em 2005 – início de construção de três novas estações
na Linha 12, além de outras três
estações na Linha 9. Por convênio
entre Estado e Município, tinha início a implantação do Bilhete Único no sistema de transporte sobre trilhos dentro da
região metropolitana paulista. Deu-se início ao Programa Boa Viagem, que visava recuperar, reformar e modernizar 45
trens. Além disso, começava o processo de informatização das 83 estações do
sistema.
Em 2006 – inauguração do novo CCO – Centro de Controle de
Operações, na Estação Brás, que visava a unificação gradativa do controle
das seis linhas da CPTM.
Em 2007 – parte da meta almejada na criação da Companhia
começava a ser alcançada: naquele ano o número
de passageiros transportados alcançou a significativa marca de 1,6 milhão,
o dobro da média do ano 1999. Além
disso, os intervalos dos trens nos horários de pico caíram para seis minutos no
Expresso Leste e na Linha 9. A Linha 9, na zona Sul de São Paulo, passou por um
amplo processo de recuperação e ampliação: além de duas novas estações, várias
obras gerais e viárias foram realizadas para melhorar o conforto do usuário.
Ainda em 2007, a Linha 12-Safira começava um processo de
intervenção que visava melhorar os padrões de confiabilidade do sistema, as
condições de acessibilidade, o conforto e a segurança. A meta: reduzir os
intervalos entre os trens de 10 para 6 minutos nos horários de pico. 30 trens
foram reformados através do Programa de
modernização da frota. A Operação Portas
Fechadas acabou com a circulação de trens com portas abertas na Linha 12-
Safira, única que ainda apresentava este problema.
Em 2008 – as linhas do sistema passaram a ter novos
nomes e cores: a Linha A virou Linha
7-Rubi (Luz-Francisco Morato), a Linha B passou a ser Linha 8-Diamante (Júlio Prestes – Amador Bueno), a Linha C se
tornou Linha 9-Esmeralda(Osasco-Grajaú), a Linha D virou Linha
10-Turquesa (Luz-Rio Grande da Serra), a Linha E passou a ser chamada Linha 11-Coral (Luz-Estudantes) e a
Linha F se tornou Linha 12-Safira(Brás-Calmon Viana).
Neste ano foram inauguradas novas estações modernizadas na Linha
12-Safira: Itaim Paulista e Jardim Helena-Vila Mara e as estações USP Leste e
Comendador Ermelino, além da Estação Jardim Romano.
Na Linha 9 – Esmeralda foram inauguradas mais duas estações: Primavera-Interlagos
e Grajaú. Nesta Linha foi implantado ainda um esquema especial de operação,
cujo objetivo era aumentar a oferta de lugares no pico da manhã. A estratégia
utilizada foi a injeção de trens vazios a partir de Grajaú e Osasco, reduzindo os
intervalos no trecho Socorro / Santo Amaro / Pinheiros.
Em 2009 iniciou-se a fabricação de 40 trens novos,
além da aquisição de 8 novos trens e sistemas operacionais e de segurança. Execução
de obras de via permanente (readequação da infra e superestrutura, implantação
de novos aparelhos de mudança de via e readequação da rede aérea).
Outra mudança significativa se deu na ampliação e modernização dos
sistemas de energia, com a reforma e implantação de novas subestações
elétricas, o que permitiu aumentar o número de trens em circulação.
Em 28 estações da CPTM começaram as obras de reconstrução,
readequação e adaptação para acessibilidade. No Brás foi implantado o novo
Centro de Monitoramento da Segurança no CCO. Resultado: os índices de
ocorrências por milhão de passageiros transportados passaram de 3,0 em janeiro
de 2009 para 0,7 em dezembro de 2009 (índices muito abaixo do padrão
considerado como bom internacionalmente, que é 1,5 ocorrências por milhão de
passageiros transportados).
O Expresso Leste (Luz-Guaianazes), com destino a Mogi das Cruzes
(Estudantes), e os trens da Linha 7-Rubi (Luz-Francisco Morato a Jundiaí),
passaram a ter alguns horários para viagens diretas.
Em 2010 – inaugurada a nova estação Tamanduateí, o
que permitiu a integração entre a Linha 10-Turquesa com a Linha 2-Verde do
Metrô. Foram ainda entregues as seguintes estações reformadas, atendendo aos
padrões de acessibilidade: Ceasa, Jaguaré-Vila Lobos e Cidade Universitária na
Linha 9-Esmeralda, Jandira, Engenheiro Cardoso e Itapevi na Linha 8-Diamante e
Calmon Viana na Linha 12-Safira. A frota de material rodante teve o acréscimo
de 23 novos trens de 8 carros cada, todos com ar condicionado.
Em 2011 – mais duas estações reformadas foram
entregues na Linha 8-Diamante: Carapicuíba e Barueri; na Linha 9-Esmeralda foi
entregue a nova estação Pinheiros, integrada com a Linha 4-Amarela do Metrô. Foi
nesse ano que a CPTM recebeu os primeiros simuladores de trens com vistas a
aprimorar o treinamento dos maquinistas. E mais: 24 novos trens de 8 carros com
ar-condicionado foram integrados à frota.
Em 2012 – substituída toda a frota da Linha 8-Diamante
por novos trens com ar-condicionado, padronizando esse tipo de trem nas linhas
8, 9, 10 e no Expresso Leste.
Em 2013 – o controle da Linha 10-Turquesa migrou do
antigo CCO Luz para o CCO do Brás, integrando todas as linhas da CPTM em um
único local. Foram entregues também a nova estação São Miguel Paulista na Linha
12-Safira e Vila Aurora na Linha 7-Rubi. À frota foram incorporados mais 6
trens na Linha 8-Diamante. A CPTM encomendou mais 65 novos trens de 8 carros, o
que permitirá a renovação de sua frota e a redução dos intervalos entre trens
em suas linhas.
Em 2014 – retorna a operação comercial na extensão da
Linha 8-Diamante entre as estações Itapevi e Amador Bueno, com as estações
atendendo aos padrões de acessibilidade. Mais 7 novos trens foram incorporados
à frota, na Linha 11-Coral. Teve início também as obras de implantação da Linha
13-Jade, que irá atender Guarulhos e o aeroporto. Também foi iniciada a implantação
da extensão Grajaú – Varginha na Linha 9-Esmeralda.
Quando perguntamos a José Luiz Lavorente como foi a oepração da
CPTM na Copa de 2014, a resposta foi rápida: "um grande sucesso”. Isso se deu graças ao serviço especial
denominado "Expresso da Copa”, que a cada 8 minutos levou os torcedores do
Mundial de Futebol da FIFA diretamente da estação Luz à estação Itaquera em 19
minutos de percurso, nos dias dos jogos na Arena Corinthians. A avaliação dos
usuários, tanto brasileiros quanto estrangeiros, foi excelente, graças à
mobilização, empenho e dedicação dos empregados da CPTM.
Hoje o sistema metroferroviário do Estado de São Paulo, formado
pela CPTM e pela Companhia do Metropolitano de São Paulo (a ViaQuatro
administra a Linha 4 do metrô), possui uma rede de mais de 336 quilômetros de
vias, servindo a 22 municípios da região metropolitana.
O desafio de quase 20 anos já está perto de se realizar, garante
Lavorente: em 2001 o intervalo entre os
trens no pico ficava entre 7 a 10 minutos. Agora podemos dizer que ele está
entre 4 e 6 minutos, e nossa expectativa é de que caia para 3 minutos na
maioria das linhas da CPTM. Isso é resultado de todas as mudanças feitas ao longo
desses anos, com muitos investimentos em subestações e em seccionadoras de
energia, produzindo um sistema robusto que permite de forma mais ágil a
detecção e resolução de falhas.
São Paulo terá ao longo dos próximos cinco anos a maior expansão
da história de sua rede metroferroviária. A malha, hoje com mais de 336 km de
trilhos, irá pular para pouco mais de 450 km, com sete obras em andamento e uma
prestes a iniciar.
Com 92 estações em seis linhas, que totalizam 260,8 km na sua
malha ferroviária, a CPTM conseguiu nos últimos dez anos não apenas melhorar a
qualidade do serviço prestado, como aumentou significativamente a oferta de
lugares. Se em 2004 transportava 368,8 milhões por ano, em 2013 este número
mais que dobrou, chegando a 795,4 milhões. "Relembrando
a meta lá do início, podemos dizer com satisfação que não apenas a alcançamos,
como a ultrapassamos – nos transformamos na mais moderna operadora de trens do
Brasil, mais que dobramos o número de passageiros transportados diariamente e
melhoramos significativamente a qualidade de nossos serviços”, afirma Lavorente.
"Se tomarmos a partir de
2010, quando transportávamos 642 milhões de passageiros/ano, até 2013 tivemos
um salto de quase 24%”, diz Lavorente. "A
média de transporte nos dias úteis cresceu em 21,5%, o que significa 2,7
milhões de passageiros/dia, sendo que em 6 de dezembro de 2013 chegamos à marca
histórica de 3,03 milhões, um recorde para a Companhia”.
Fonte: ANTP
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